Aos 27 anos, Aida dos Santos não tinha sapato, treinador, colchão e muitas vezes nem comida. Aos 83, tem incontáveis medalhas, três diplomas, uma pista de corrida com seu nome e um documentário. O fio que amarra essas duas épocas é ela mesma, e apenas ela.

Começou por acaso, nas partidas de vôlei aos domingos na adolescência. A colega que lhe dava carona de bicicleta praticava atletismo e fez a chantagem: “Se hoje não tiver quórum para o jogo e você não quiser fazer salto em altura comigo, volta para casa a pé”.

O resultado foi que Aida tornou-se a única mulher brasileira na Olimpíada de 1964, última a acontecer em Tóquio. A capital japonesa iria sediar o evento novamente a partir de sexta-feira (24), mas ele foi adiado para 2021 por causa do novo coronavírus. A cerimônia de abertura agora está marcada para 23 de julho do ano que vem.

A atleta mistura afeto e tristeza ao lembrar dos dias que passou no país quando tinha seus 27 anos. “Eu chorava muito naquele Japão, meu Deus do céu”, disse na casa onde vive com o marido em Niterói, região metropolitana do Rio, em entrevista dada à Folha pouco antes da pandemia.

As lágrimas vinham da solidão de disputar uma Olimpíada sem técnico, sem intérprete, sem uniforme, sem nada. O descaso começou mesmo antes da competição, quando ela e outra colega negra foram obrigadas a passar por cinco eliminatórias mesmo já tendo atingido o índice olímpico da época, de 1,65 metro (hoje ele é de 1,96 metro).

Só ela atingiu os critérios estabelecidos, portanto foi a única mulher na delegação brasileira naquele ano, em meio a quase 70 homens. Chegando lá conseguiu preencher apenas nome e data de nascimento na ficha de inscrição, e isso porque um japonês cantarolou o ritmo de “Parabéns Pra Você”.

“Me deram só uma camiseta, um short e um agasalho da equipe de futebol, tive que pedir uniforme do Botafogo para levar. Na Vila Olímpica deviam perguntar: ‘De qual África é essa negra, que não tem nada?' Eu pensava assim”, assume soltando o riso fácil, depois de dar bronca na cachorra fiel que chama de trombadinha.

Treinava sozinha, olhando suas rivais com até três técnicos. A sapatilha de prego própria para a modalidade também não veio, e ela teve que competir com um calçado para corridas de curta distância cedido por um fornecedor que ficou com pena ao vê-la chorar.

Aida —se lê Aída, mas não tem acento porque seus pais não foram alfabetizados— se classificou para a final com um salto de 1,70 metro, no qual torceu o pé. “Torci porque no Brasil eu estava acostumada a pular em um buraco de areia. Lá você pulava no colchão. Sair do ruim para o bom também estranha, né?”, ela ri de novo.

Olhou a arquibancada lotada sem nenhuma bandeira do Brasil, rodou o estádio mancando, com fome,

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