A quem se dedica o gol é uma pergunta comum feita por repórteres aos jogadores após uma partida de futebol, mas mudou a vida do jovem atacante uruguaio Julio Filippini, 19, em sua estreia pelo Defensor.

“Mando uma saudação ao meu irmão e para os companheiros da penal Liberdade”, respondeu, antes de virar as costas e ir embora, sem dar importância para o que havia dito.

Assim que deixou o vestiário, encontrou sua noiva, desesperada. “Que disparate foi esse que você fez?”, questionou.

Seu pai o esperava na saída do estádio Centenário, motor do carro já ligado, e não o levou para casa. Fez o filho se esconder por quase uma semana. No dia seguinte ao jogo, policiais apareceram no estádio Luis Franzini, sede do clube, à procura de Filippini. Como não o encontraram, levaram outros jogadores à delegacia para prestarem esclarecimentos.

Em sua estreia como profissional, o atacante havia anotado o gol de empate de sua equipe contra o Nacional, pelo Campeonato Uruguaio de 1976. Foi um momento histórico porque o Defensor, com a vantagem final de um ponto, foi campeão daquele ano, a primeira vez que um time fora da dupla Nacional e Peñarol conquistava o título na era do profissionalismo, iniciada em 1932.

O cenário da vitória era o Uruguai da ditadura comandada pelo presidente Juan María Bordaberry, com prisões arbitrárias, torturas, prisões políticas e desaparecidos. Filippini  dedicou o gol ao irmão Eduardo, encarcerado na penitenciária ironicamente chamada de Liberdade.

Aquela primeira partida deveria ter sido seu começo, mas foi o fim. Julio Filippini nunca mais jogou futebol como profissional.

“Eu sabia que meu irmão havia escutado pelo rádio o jogo anterior e talvez estivesse ouvido aquele. Eu queria mandar uma saudação a ele e aos companheiros de cela que conhecia. Não tive intenção de provocar, mas percebi que talvez poderia ser interpretado como algo mais forte”, afirma à Folha o ex-atacante, hoje contador aposentado e ainda funcionário da Prefeitura de Montevidéu.

O repórter que o entrevistou e perguntou a quem dedicava o gol também foi chamado pelos militares. Quando Victor Hugo Morales, que anos depois se mudaria para a Argentina e se tornaria um dos mais importantes narradores do país, entrou na sala, um major do Exército o esperava com gravador em cima da mesa. Apertou uma tecla, e a entrevista de Filippini ecoou na sala.

“O oficial olhou para mim e disse apenas: vou lhe dar um recado que será fácil de entender. Você recebeu um cartão amarelo”, disse Morales. Em seguida, foi dispensado.

A ditadura do Uruguai, iniciada por golpe de estado em 1973, durou até 28 de fevereiro de 1985, há exatos 35 anos. Segundo levantamento da Comissão para a Paz, criada em 2000 para investigar crimes políticos, 174 pessoas desapareceram no Uruguai no período e cerca de 100 prisioneiros políticos foram mortos.

Filippini se tornou um dos nomes mais visados por causa do gol dedicado ao irmão,

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